segunda-feira, 21 de abril de 2014

GRATIDÃO - Número 66


Gratidão.
Diz a canção que saudade é pra quem tem. Gratidão também.
Esse reconhecimento de uma pessoa por um tempo por conta de uma reciprocidade, uma sintonia quase inexplicável.
Da janela do avião, visto pela inflexão do vidro, parece cinza amarelado o matiz dessa expressão. Eu esperava ver azul. Mas vi uma gradação difusa, feito fotografia gasta.
Vi até chuva, martelando a serra lá embaixo.
Tudo morno e molhado, em curso d'água quase impetuoso.
Um tanto antes, na cidade que não volta, vi marchinha de Carnaval.
Vi a menina linda com uma pena multicor numa das orelhas transitando o terminal, enquanto que eu, iogue no chão, lia.
De lá, de cima, no entanto, não vi o mar. Não vi resposta. Não vi sinal. Porém, gratidão.
Meus olhos, finalmente, descansavam os dias pesarosos ao prescrever a chuva cumprir seus desígnios.
Em Campinas, vi uma senhora sob guarda-chuva escuro e um rapaz de camiseta. Moviam-se ao mesmo tempo, mas com vagar, no saguão do aeroporto.
Horas que não passavam e eu gostava.
Saudade.
Do santo espírito, ainda ao amanhecer, vi chegada e berço. Fé e esperança. Os frutos de lá eram todos bem-vindos, pareciam dizer.
Agora, sim, sol em abundância, sucessivo de muitas coisas que eu veria mais. Gratidão, pois.
Decidi, então, já que ia de táxi até a velha vila, ficar um pouco mais. Ver deitar o sol sobre os braços deste primeiro eterno dia. E fazer dos sorrisos todos um abrigo de alegria. Depois partir, francamente feliz, abrindo a janela pra ver, sobre a terceira ponte, o horizonte cantando pra mim qualquer coisa assim sobre eu chegar.
Saudade.
Meus olhos, pousados numa esquina, aguardavam sossegados na brisa.
Via o burburinho da feira livre, debaixo da ponte, cheiro de frutas, pastel, morangos e caldo de cana. De uma porta um pouco além, ao lado de um bar festivo, surgiu todo aquele mistério. Até os fatos seriam assim, um tanto quanto misteriosos.
Então, eu vi. O mundo, eu sei. Carregando minha mochila nas costas.
Fui lá, andei ao lado, reconheci, olhei, abracei e segui um caminho só, buscando alguém que estava em minha memória há mais de um tempo.
Gratidão por aquele eterno amplexo.
Subi um lance de escadas, entrei numa porta à esquerda, senti o cheiro de casa limpa, peguei um travesseiro de fronha branca e coloquei sob a cabeça. Um outro, de fronha roxa, coloquei entre as pernas. Respirei aquele cheiro inesquecível e dormi.
Possivelmente, esse foi o primeiro sono leve do ano.
E acordei saudade.
Tudo aquilo que eu desejava ver estava no cômodo. Os calçados atrás da porta, a bagagem no chão, a cama baixa, o cachorro quase empalhado na estante, os gnomos guardados, o tempo.
O amanhã eu nem queria ver ou dizer.
Meu coração teimava em bater e sorrir a esmo, clareando minha vida nesse olhar.
Levantei, tomei um banho demorado, coloquei roupa leve e colorida e saí pra ver o sol. Tudo tão cheio de sol, que não fiz esforço pra acertar as esquinas. Me deixei guiar pelo cheiro do mar.
Um universo azul se abrindo sob o efeito de cada espuma que morria devagar na areia.
Gratidão ao horizonte.
Ao longe, navios cargueiros. Por perto, a água e o sal do mar gelado.
Como há muito não fazia, tornei a inventar meu tempo, sem viver do mesmo arranjo.
Saudade da costa da praia. Foi como nomeei meu jeito novo de sentir que estava ali, com a alma em bem-estar, com um princípio genuíno de vida, um riso e o olhar de pleno vigor.
Peguei uma cerveja e fui me deixando ir pelos caminhos.
E via crianças, cachorros, bicicletas, triciclos, prédios com varandas de vidro marinho, afetos e um sopro quente passageiro de fim de verão.
Sem notar, era noite.
Gratidão, de um lado a outro, pelo fim da tarde e era noite.
Eu podia ouvir o vento passar, podia ver a onda branda bater, eu podia ver morrer, acordado, aquele tempo parado. Eu podia ver um pórtico, uma escultura de Iaramar, um quase píer, uma casa sobre as rochas, um cheiro de cravo, um torpor na mente e o prazer de conhecer esse gosto sem igual.
A tal felicidade, sombreada na areia noturna, agora chama saudade.
Sentei, conversei, andei de encontro ao vento, respirei o mesmo ar, olhei de canto de olhos e vi outra vez, sorrindo, como um dia de domingo.
E acordei ao som de sinos.
Profunda gratidão àqueles sons marcando os dias.
De onde vinha aquela calma? Aquele jeito tão sem defeito do tempo.
Fotografei a saudade e segurei na mão dela. E, assim, calado, fui coroado com um sonho se exibindo pra minha solidão.
É preciso força pra sonhar e ver uma estrada que vai além do próprio ver. Vai até a madrugada. À casa mal-assombrada, ao teatro da praça, à escola da Marinha, à casa dos padres, à outra com os sete anões.
Os braços do tempo tocando nos meus.
Dentro dessa madrugada estiveram os olhos, as minúcias, o afeto, a verdade.
Então, abri meu coração pra um novo dia amanhecer e, atrás de um sonho, correr.
Além da praia, sem data pra voltar, deixando o tempo levar, havia um solitário pescador e sua pequena embarcação. Ele, o barco, o céu, os pássaros, o mar da cidade, o horizonte e o oceano em seu olhar a navegar. E as rochas dividindo uma enseada em outra, em níveis distintos.
Saudade dessa hora que ainda sinto.
Do cheiro de comida caseira, tempero, frigideira, suflê, mesa posta, ritual.
Isso que senti quando vi o tempo por trás da janela, dormindo, de pernas cruzadas. Um cheiro umedecido e embriagado de bom dia do ano.
Dia de fazer recordar algum triunfo. De se deixar encantar no exato lugar onde se está. De chamar um sentimento bom. De executar aquela ideia de fazermos um mundo inteiro, feito ele de calor e suor. Saudade destes minutos tão físicos, tão cheios de poros, sabores, gestos, movimentos e o corpo do tempo mapeado, tirado partido, sem quadradismo, só com o coração como expressão.
Não sei fazer poema de outra coisa que não fale senão de amor incondicional. Portanto, gratidão.
E quem diria não?
Subi um morro inteiro, sem tabela de preço, com sorriso largo e profundo, parte descalço, além de qualquer cansaço, buscando uma foto de cartão-postal colorido.
Aquela vastidão tão acima do moreno morro. Tão perto do céu, aquele estupor. E tanto mar.
Um presente infinito, um silêncio e, de novo, aquela voz do tempo que não quero perder.
Saudade.
Acenei pra quem me acompanhou com os olhos do outro lado da cidade, além da ponte principal, dos cargueiros, da avenida de nome estranho.
Pena de quem nunca esteve lá e depois, em cada despedida, saudando o sol, no caminho das pedras, até a Penha e sua romaria.
Saudade da presença de Sofia, a avó dos tempos todos.
Do cheiro de flor e de amoras. Dos retratos, das imagens fugidias, da vista e das pistas no trajeto, da orquídea, das caranguejeiras, da meditação na rocha, do terço e de todo o restante de lugar, do sagrado à escadaria.
Do píer, da marina, da restinga, da prainha com ondas breves, de molhar os pés no cais.
Da orla iluminada e do píer de Camburi.
Das tartarugas que não vi, dos patins e até da Cebola que só vislumbrei pelo portão.
Não há tempo como este que volte, então...gratidão.
Eu vim de longe, do outro lado desta terra, além das missões, por isso a falta que sinto deste mar vasto.
Da pesca, dos siris e até da noite chuvosa de verão.
Às vezes eu só queria descansar, deitar no ombro deste tempo, entrelaçar os dedos, morder meus próprios lábios, receber um tagaté, ser quase um.
E, assim, ia vendo o céu se pondo vermelho de sol, filho eu da eternidade, com vento sobre os pés, perdendo a hora e o lugar. Sem destino, um tanto sozinho, dançando com a solidão e acordando noutro instante da imensidão.
Tomei banho de phebo, raspei os pelos com navalha, juntei as frutas, o biscoito, o olho grego, calcei os tênis, vesti a primeira camiseta puída que encontrei na mochila de viagem, botei a calça clara e segurei o agasalho com o cheiro de sempre.
No dia último, nenhum alento, nenhum sopro, nenhuma declaração universal.
Da janela do ônibus, uma constatação final, cheia de soluço, saudade e gratidão: despedida eu vim. Bem se diz que todo Carnaval tem seu fim.

Marco Antonio Jardim Melo

sábado, 15 de fevereiro de 2014

OS SINAIS - Número 65


De quando tive a consciência despertada para o sentido da espiritualidade, até hoje, mesmo que estacionado em algumas práticas, percebo sinais. E eles me percebem também.
É um fenômeno presente, um vestígio do que se pensa, do que se quer, um artigo de fé.
Uma mancha na pele, uma cicatriz. Um aceno, um gesto.
Uma etiqueta para fora na camisa do principesco, uma assinatura cursiva.
Ou qualquer outra manifestação que pareça presságio, prenúncio.
É também o futuro. "O futuro não é um lugar que se chega. É um lugar que se constroi", alguém disse, como um sinal.
Estes lugares são como postes de luz e advertências para mim.
Um gato na porta do meu quarto. Uma borboleta na ponta do guarda-roupa. A estranha deferência com que minha mãe arruma meus pertences. Um agasalho que não perde o cheiro, deixando as coisas visíveis. Uma sensação sentida ao mesmo tempo em dois lugares diferentes por duas pessoas que se amam.
As mensagens do dia que me aparecem em trechos de revista, páginas de agenda, pedacinhos de papel.
O mundo inteiramente meu criado nos sonhos, nos desdobramentos, com vozes sussurrando: "tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais".
E eu não duvido, apesar de, por hora, quase esquecer.
É como o nascer do sol no horizonte de uma manhã de domingo, ou mesmo o pôr do sol fotografado da janela do corredor (fotografia perdida no celular assaltado, mas memória em sinal permanente).
O deus Sol egípcio, Amon-Rá. Diz-se que ele abria as pálpebras, o dia despertava e se espreguiçava. Daí ele se vestia, ia para a barca de ouro e seguia, silencioso, pelo oceano, distribuindo luz e calor. Mesmo que ele chorasse, suas lágrimas eram sinais de boa sorte aos homens, ao mundo.
O dia amanhecendo é uma bela marca e um meio para sorrir. E para trasladar em palavras, como fez Leminski: "Uma semana, um mês, um ano não dão para a saída. Nada passa igual a um dia".
Nesta soma de dias (ou os últimos cinco meses, pra ser mais preciso), de sinais, como o dobre dos sinos ainda não finado, caiu a chuva, caíram pitangas, e, agora mesmo, enquanto escrevo, é um sinal que eu tenha encontrado uma imagem em que minhas mãos se juntam em oração.
É o verão que ainda não se encerrou.
Espero eu, com serenidade, que tais indícios, permitam-se fechar este estio no Espírito Santo (vide o nome, já um sinal).
Lembro que, há alguns dias, estive caminhando sobre os paralelepípedos de uma rua mais estreita da minha cidade, carregando minha mochila e minha saudade, sob chuva fina misturada às lágrimas.
Eu era um átomo no átimo do tempo.
Sabia que a chuva passaria, então me enchi de poder, conhecimento, certeza e simplicidade.
Era um sinal vindo dos céus a me lembrar que eu sempre passei por ali.
Algumas pessoas também passavam por mim, cheias de vapor d'água, sorrindo com os olhos. Talvez, elas, compreendendo que aquele caminho que eu seguia tinha, ele próprio, uma história madrugal para contar.
Eu vivi os últimos meses em rede, como uma inteligência autônoma, livre, caminhando livre, conectado ao mundo por um simples aparelho de mãos.
Vivi interligado e, sobretudo, em sintonia fina com uma das pessoas que mais amo e que reconhecia, em tempo real, todo passo meu dado, mesmo em meio à maior confusão funcional do mundo, mesmo num apagão.
Eu via, e vejo, pelo celular, ou não, pela música escutada no fone de ouvido (canções que, cada uma delas, tem uma recordação afetiva), pelo folhetim, pelo próprio olhar dedicado às pessoas em volta, de variadas cores e línguas, e dizia para mim mesmo: "eu sou livre".
Então, derepente, fui agredido impetuosamente e de surpresa. Fui perseguido, fui assaltado, fui violentado na alma, refletida agora em marcas feridas no corpo.
Sinal.
Pareço oco (louco) nesta autoafirmação? Mas é que ainda tenho centro.
Levaram-me uma das máquinas mais fabulosas da humanidade no estágio atual (a dizer: um iPhone 5), mas ainda me oriento pelas estrelas.
Pelo mapa de Guimarães Rosa. "Mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando".
E amando.
Este sentimento que empurra as criaturas, mas que nem sempre elas se dão conta, como o vento a impelir uma embarcação.
Naquele instante, eu estava pensando em viajar (se, de fato, eu for), já ansioso para ver o mar (e para abraçar por longos minutos abrindo a represa da saudade), e estive, por volta das 22 horas, com um companheiro na saída da academia. Não convivemos nos mesmos círculos, mas, em sintonia, ficamos a conversar por alguns minutos sobre o tom da vida, sobre a importância que damos ao dia de hoje. E logo nos despedimos com a frase "carpe diem". Ele ainda me ofereceu uma carona, um sinal. Virei a esquina sozinho e...agora estou onde estou.
Vivo.
Amor é isso, não é? Um pouquinho de qualquer coisa sem nome que dá um descanso, um respiro à loucura.
Fico pensando se "o outro lado" tão retratado pela angústia de Diane Arbus não fosse a figura principal. Se fosse apenas o dia em sua Rolleiflex, ou se ela tivesse uma máquina digital.
Pra mim, o sujeito de uma fotografia é a possibilidade de ver tudo nos mínimos detalhes, no dia. Dos pedacinhos de tafetá dos enfeites à cor azul do céu e âmbar da areia, do mar, do coração no asfalto, da expressão do meu corpo em evolução, do cactus que agora cuido delicadamente, da tentativa de registrar minha alma e das manifestações divinas.
O que me dói (e muito) é, com o assalto, eu ter perdido este álbum de recortes dos meus dias e um tiquinho da sensação de acreditar ser livre.
Rastreamos, identificamos, ativamos um barulho, choramos até.
Mas, numa clara mensagem de resignação, os dispositivos desta pequena pérola estão offline.
Quero ser, então, eu mesmo, editor das coisas que acesso, das pessoas que sigo, das redes que crio, do conteúdo que sorvo.
E você, Deus, vem chegando para brincar em meu quintal. Sim, eu já escuto os Teus sinais.

Marco Antonio Jardim

sábado, 25 de janeiro de 2014

AIXTERUH - Número 64


Depois de meses, passando por inverno, outono e solstício de verão, volto atrás pra pensar o caminho trilhado.
Antes disso, vou buscar o significado literal de amor, pra distinguir dos incômodos alheios.
Amar, até onde penso, não tem nada de patético, nem é tão ridículo quanto as cartas de Pessoa e soa muito maior que simplesmente comover.
Não amar me parece reflexo de um mundo febril.
E não dizer a este mundo que há amor, se há amor, me parece, aí sim, um tanto quanto trágico, pra não dizer desleal.
Pois que amo. A Deus, amo alguém, e o próximo de alguém, ao meu gato persa, e ao chão que piso quando acordo dia após dia, ao tempo, ao vento, à liberdade, ora aqui por perto, ora perdida na esquina do meu coração.
Eu amo e grito, adoravelmente brando, suave, mas sem qualquer tempo ajustado. E - por que não? - grito no Facebook!
Eu subo a serra, mesmo que num olhar distanciado, vejo o horizonte azul, os parapentes flexíveis e suspensos no ar, o mar invertido, plácido, ladeado pelas rochas, cactus, flores, e grito: amo! E fotografo esse aceno e esse som com exclamação.
Não há como refutar, entende? Amar é uma inclinação ditada pela lei universal. É um gosto vivo. E também os cheiros no ar, de misto duplo ou de pitangas, de batata doce, de pão, de torta de limão, de trufas, de pizza até.
Amar é uma mesa posta, uma afeição inteira, do tamanho de um abraço demorado. "Você me abre os braços e a gente faz um país". Amar é isso!
Via de regra, os capítulos de minha vida giram, assim. Iguarias tratadas como, talvez, um bem comum. Uma verdade que bate à minha porta de quando em quando. Ou quando eu mesmo bato à porta alheia.
Uma parada no Posto da Solidão pra tomar um suco industrializado (afetuosamente apelidado de stricnina), uma ocasional latinha de cerveja num banquinho de uma praça, chocolates na loja de departamentos ou um saquinho de doces secretamente (ou nem tanto) deixado numa varanda.
São, sim, intenções veladas (quase bobas, de tão belas) de determinar meu sentimento, minha orientação. Meu amor.
À boca miúda, afirmam que estou delimitado ao drama. Uma ou duas pessoas. Não tem importância. Penso que é choque de quereres.
Minha resposta a esse prenúncio chuvoso? Quem define os outros, se limita. Melhor mesmo é demarcar o caminho.
Começa na ladeira da academia, passa pelo asfalto onde tem um desenho semelhante a giz em formato de coração, desce pela praça onde os cachorros ficam soltos, segue pela rua da árvore de pitangas, dobra à esquerda atravessando a placa sinalizadora de "Pare!" e não para ao meio-fio onde costumeiramente sentava, culminando no muro antes vermelho, no portão e naquele chão que era de cimento cru. Deitar ali dá saudade, irmã do tal amor.
Pareço um estrangeiro impróprio? Um extra-terrestre? Ah, seu moço aí do alto, do disco voador. Me leve com você, seja pra onde for. Ao sabor da brisa, me leve. Num respiro profundo, num pranayama, me leve. De dentro pra fora, de fora pra dentro, apurando o instrumento, leve, leve, leve.
E, se ainda assim eu não tiver inspiração, faço como minha geração: remixo. Mas continuo a amar declaradamente.
Se gostam, ou não, "whatever, forever", mudem a faixa.
"You don't know me. Bet you'll never get to know me". Na minha trilha sonora de malhação, também tem canção de amor! E na piscina, presto atenção nas conversas da raia ao lado. Foi assim que tudo de eterno começou.
E na meditação, na posição de lótus ou na invertida, felicidade, perdão, abundância, gratidão e amor. Destas coisas, sim, tenho infinita saudade. E dos abraços apertados (raros, mas vivos), dos afetos e cócegas e risos inesquecíveis, do agasalho dado, da corrente de prata emprestada, do presente eterno que não abro mão de ter sustentado quase ao peito numa oração permanente, dos gnomos, das amenidades dos dias.
Se, por hora, é pra eu me obrigar a ficar em silêncio, eu fico. Por amor, diga a todos que fico.
Se é pra eu derramar uma lágrima aqui ou ali, choro. Não tenho vergonha de ser.
Mas sigo pisando no passeio de cada rua que faz parte daquele caminho, como que num tapete de flores vermelhas e amarelas, e finjo que nem é comigo, que é só com a vida.
Minha gratidão a este silêncio, pois. E quando bate a saudade, nem vou pro mar. Eu só fecho os olhos e sinto um braço e uma mão tocando os meus. Deve ser o vento.
Pois que reafirmo aqui o amor, sabe? Um outro mundo assim é possível.
E se faço algo errado, eu peço desculpas, e reinicio o computador do mundo (mesmo que não funcione a webcam).
O mundo também toma forma no pensamento. Eu sou ainda muito jovem de corpo e muito mais de espírito. Santo? Não. Mas sou de duração indefinida.
Sou astrólogo, acredite! Ou macumbeiro, como graciosamente se diz.
Mas eu não sou drama! Sou só fama e nada mais.
Adoro subjetivar o que é naturalmente sem graça.
Se deve ser da idade? Não. É intensidade. É saudade. É coisa fácil e leve, na alma do meu paladar. Então, por obséquio, deixa eu amar.

Marco Antonio Jardim